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Terceirizar mão de obra por meio de uma empresa do Simples Nacional tem grande apelo tributário, mas envolve cuidados legais. É proibido ao Simples Nacional recolher tributos de empresas que realizam cessão ou locação de mão de obra.
Na prática, isso significa que uma empresa que atua no Lucro Real não pode criar outra no Simples com o único objetivo de “cortar custos” de pessoal, salvo em situações muito específicas (por exemplo, serviços de vigilância, limpeza ou conservação, que têm exceções legais).
A seguir, veremos a legislação aplicável, restrições específicas, riscos fiscais, consequências legais e trabalhistas, além de esclarecer dúvidas comuns e boas práticas para quem considera esse modelo.
Legislação atual aplicável
A análise parte pelo regramento tributário. O Código Tributário Nacional (CTN) estabelece princípios gerais sobre obrigação tributária e coibir abusos, como o artigo 116, parágrafo único, que trata de operações realizadas com finalidade exclusiva de obter benefício fiscal, tipificando o planejamento tributário abusivo. Além disso, o CTN prevê a desconsideração da personalidade jurídica em casos de fraude (art. 134) e responsabilização solidária de quem induz terceiros a sonegar (art. 135). Em conjunto, essas normas servem de base para o fisco reprovar estruturas artificiais.
A Lei Complementar nº 123/2006 (Simples Nacional) institui o regime simplificado para micro e pequenas empresas. Nela, o art. 18 traz as vedações de atividades para opção pelo Simples. Em especial, houve acréscimo do § 5º-H, determinando que a proibição de cessão de mão de obra não se aplica às atividades de vigilância, limpeza ou conservação (quando exercidas no Simples). Ou seja, empresas com esses CNAEs podem usar trabalho terceirizado sem perder o Simples. Fora essas exceções, outras normas regulamentares reforçam a vedação: a Resolução CGSN nº 140/2018, art. 15, inciso XXI, dispõe que “não poderá recolher os tributos pelo Simples Nacional a pessoa jurídica ou equiparada que realize cessão ou locação de mão de obra”. O Anexo VI desta Resolução lista os CNAEs proibidos – por exemplo, “7820-5/00 – Locação de mão-de-obra temporária” aparece explicitamente como atividade vedada.
No âmbito trabalhista, a Lei nº 6.019/1974 (trabalho temporário) e a Lei nº 13.429/2017 (terceirização ampliada) tratam da terceirização de pessoal e suas responsabilidades. A reforma trabalhista (Lei nº 13.467/2017) também consolidou a responsabilidade do tomador de serviços. Por exemplo, Súmula 331 do TST estabelece que, se a terceirização for irregular (empregados cedidos sem empresa de trabalho temporário registrada), o contratante se torna responsável subsidiário pelos direitos desses trabalhadores. A Lei nº 13.429/2017 reforça isso no art. 5º-A da Lei 6.019/74, indicando que a empresa contratante (tomadora) responde pelo recolhimento previdenciário e obrigações trabalhistas dos empregados terceirizados.
Restrições do Simples Nacional para cessão de mão de obra
Em linhas gerais, o Simples Nacional veta a terceirização de mão de obra, salvo exceções específicas. Conforme definem as normas da Receita Federal, cessão de mão de obra é a “colocação à disposição da empresa contratante de trabalhadores que realizem serviços contínuos, relacionados ou não com sua atividade-fim”. Já a locação de mão de obra refere-se ao contrato em que alguém fornece mão de obra por tempo determinado para suprir necessidade transitória. Essas práticas são vedadas no Simples Nacional. A Resolução CGSN nº 140/2018 afirma no art. 15, inc. XXI, que “não poderá recolher tributos pelo Simples Nacional” empresa que realize cessão ou locação de mão de obra.
Na prática, isso significa que CNAEs típicos de agências de trabalho temporário ou terceirização (7820-5/00, por exemplo) são considerados impendimentos formais ao Simples. Mesmo empresas de “serviços” que simplesmente atuem fornecendo pessoal são barradas.
Há, porém, exceções pontuais: conforme o próprio art. 18, §5º-H da LC 123/2006, empresas que prestam serviços de vigilância, limpeza ou conservação podem manter-se no Simples mesmo que utilizem terceirizados. Além disso, atividades como portaria virtual têm tratamento especial: segundo a Solução de Divergência COSIT nº 14/2014, “serviço de portaria realizado por cessão de mão de obra” não se confunde com vigilância/limpeza e, portanto, enquadra-se na vedação geral do Simples.
Em resumo, a empresa do Simples não pode ter como finalidade principal ceder trabalhadores (exceto nos casos legais de vigilância, limpeza e conservação) e não deve combinar essas atividades vedadas com outras no mesmo CNPJ.
Riscos fiscais e autuações
Criar uma empresa no Simples Nacional apenas para terceirizar mão de obra pode ser interpretado pela fiscalização como planejamento tributário abusivo ou fraude. O fisco investigará se a nova empresa tem substância econômica e autonomia, ou se é mera “empresa interposta” para reduzir tributos. Em casos onde se demonstra finalidade exclusivamente tributária, aplicam-se as regras do CTN sobre abuso de direito fiscal. Isso pode gerar um auto de infração indicando que a opção pelo Simples foi indevida.
O principal risco é a exclusão de ofício do Simples e a exigência do recolhimento dos tributos como regime normal. Na prática, a empresa será obrigada a pagar de uma só vez todos os impostos atrasados (IRPJ, CSLL, PIS, COFINS, ISS etc.) como se jamais tivesse gozado do Simples, acrescidos de multas e juros. A contabilidade online Contabilizei destaca que, uma vez mantida a exclusão, a empresa “precisará pagar todos os impostos retroativos, acrescidos das referidas multas”. Essas multas podem ser elevadas (até 75% ou mais em casos de dolo, conforme o CTN) e, além disso, pode haver cobrança de multas administrativas previstas em outras normas do Simples.
Além do impacto tributário, há potencial responsabilização penal. Se a transação for considerada sonegação (por exemplo, emitir notas fiscais falsas para máscara de serviços), responde-se sob a Lei nº 8.137/90 (crimes contra ordem tributária). Por fim, a empresa “de fachada” pode perder benefícios do Simples (como tratamento diferenciado de cálculos e retenções), ficar sujeita a maior fiscalização e ter que justificar operações não usuais.
Consequências legais, tributárias e trabalhistas
- Tributárias: a exclusão do Simples leva à cobrança de tributos devidos no regime regular (Lucro Real ou Presumido). O contribuinte terá de recolher IRPJ, CSLL, PIS/COFINS, ISS e INSS patronal normalmente, sobre a base de cálculo real. Haverá multa por infração fiscal (pode chegar a 75% do valor devido, ou 150% se caracterizada fraude) e juros de mora. O fisco pode ainda desconsiderar atos tributários ou realizar cálculos com base em valor de mercado/receitas reais. Em suma, todos os tributos antes pagos a alíquotas reduzidas do Simples terão de ser compensados ou pagos adicionalmente.
- Legais: dependendo do caso, a Justiça pode considerar que houve simulação contratual. Nesse cenário, aplica-se a desconsideração da personalidade jurídica (CTN art. 134-135), de modo que os bens dos sócios/pessoas envolvidas podem responder pelas dívidas tributárias. Além disso, os sócios podem ser alvo de processo administrativo fiscal pessoalmente (responsabilidade solidária) se comprovado dolo na constituição da empresa. Em casos extremos, o esquema pode ser entendido como improbidade administrativa ou crime contra a ordem tributária, com sanções civis e penais.
Leia também: Abrir várias empresas no Simples Nacional é um risco?
- Trabalhistas: mesmo que a intenção seja apenas tributária, a transferência de funcionários a uma terceirizada fictícia pode gerar passivo trabalhista. Se a Justiça entender que se tratou de “terceirização disfarçada” de empregados, a empresa tomadora corre o risco de ter que recolocar os vínculos empregatícios diretamente, assumindo todas as verbas rescisórias, salários atrasados e demais direitos trabalhistas (inclusive multa do FGTS). Ademais, permanece a responsabilidade subsidiária do tomador pelos encargos previdenciários. Conforme jurisprudência e súmula do TST, “o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços”. Assim, fraudes nesse sentido podem gerar reclamações trabalhistas contra a tomadora principal, que terá que arcar com saldo de salários, férias, horas extras, FGTS etc.
- Outros: do ponto de vista trabalhista, práticas abusivas também podem levar a multas do Ministério do Trabalho (atualmente Ministério do Trabalho e Previdência) e impedir a participação em licitações públicas. Do ponto de vista contábil, haverá obrigatoriedade de recontabilizar as operações e refazer obrigações acessórias sob novo regime.
Dúvidas comuns de empresários
- “Posso abrir uma nova empresa em nome de um sócio diferente?”
Mesmo registrando a empresa Simples em nome de outro sócio, a fiscalização analisará quem efetivamente controla e se beneficia do negócio. Se ficar provado que a empresa foi criada apenas para repassar pessoal à empresa original, configurando um único projeto econômico, as autoridades poderão considerar as empresas ligadas ou uma extensão da outra. O CTN e a legislação societária permitem tratar como fraudulenta a transferência fictícia de sócios para fraudar tributos. Portanto, trocar o nome na razão social não elimina o risco: a Receita valorizará a realidade de negócios e não apenas a aparência formal. - “E se a nova empresa tiver atividades diferentes da empresa-matriz?”
Uma empresa no Simples pode ter atividades variadas, mas sua escolha deve ser legítima. Se a atividade declarada for permitida no Simples (como consultoria, comércio, etc.), ela não quebra regra isoladamente. Porém, se na prática essa empresa passar a fornecer os mesmos serviços ou funcionários que a empresa original precisava, ela pode ser enquadrada na proibição. Por exemplo, declarar que faz “comércio de equipamentos de limpeza” (atividade permitida) mas na verdade usar os trabalhadores para limpeza externa à empresa, é irregular. Ou seja, não adianta “misturar” atividades para burlar: o fisco vai avaliar a função real exercida por esses empregados. Se houver incompatibilidade entre as atividades legais e o uso prático dos trabalhadores, entenderá que foi um artifício. - “Quais são as penalidades se a Receita detectar irregularidades?”
Se a irregularidade for identificada, a empresa do Simples será excluída do regime (resolução CGSN). Além disso, terá de pagar todos os tributos como se jamais estivesse no Simples, acrescidos de multa e juros (como visto no Tema anterior). O Fisco pode lançar penalidades específicas, podendo chegar a 150% de multa no caso de dolo ou fraude (CTN art. 44). No campo trabalhista, a empresa tomadora pode ser processada e obrigada a regularizar todos os direitos dos empregados (salários, FGTS, INSS, férias, 13º salário etc.), inclusive com juros e multas. Em casos graves, sócios e administradores podem até responder por crime de sonegação fiscal. Por fim, a empresa pode sofrer sanções administrativas, como impedir participação em licitações e perda de benefícios fiscais futuros.
Recomendações de boas práticas
Para evitar problemas, recomenda-se atuação preventiva e criteriosa. Entre as melhores práticas, destacam-se:
- Planejamento transparente: consulte um contador ou advogado para avaliar se faz sentido abrir uma nova empresa. Certifique-se de que há requisitos econômicos reais (clientes próprios, mercado independente) para justificar a operação, além de objetivo comercial lícito.
- Atenção às atividades: escolha o CNAE principal da forma correta. Se a intenção é prestar um serviço específico (por exemplo, limpeza), deverá cumprir todos os requisitos dele. Evite CNAEs que se confundam com cessão de mão de obra.
- Separação efetiva: mantenha contabilidade e pessoal separados. A nova empresa deve ter patrimônio, estrutura e gestão independentes da empresa-mãe. Formalize contratos de prestação de serviços claros – se for terceirização, use contrato de terceirizado ou trabalho temporário legal.
- Observância da lei trabalhista: contrate as pessoas como prestadores de serviço ou via empresa de trabalho temporário legalmente constituída. Verifique a necessidade de registro no Ministério do Trabalho (para ETT) e faça os recolhimentos previdenciários conforme as normas (Lei 6.019/74 e 13.429/17).
- Evite “laranjas” e fraudes: não envolva sócios-figurantes apenas para caracterizar titularidade diversa. Decida a sociedade de forma legítima.
- Documentação robusta: guarde relatórios, contratos, notas fiscais e comunicação interna que demonstrem a independência das empresas. Documente reuniões e decisões de negócios para provar a finalidade empresarial legítima.
- Fique atento às mudanças: acompanhe a legislação (Resoluções do Simples, inovações fiscais, entendimentos do TST) porque regras sobre terceirização e regime tributário podem evoluir.
- Avalie o custo-benefício: às vezes, terceirizar sem empresa própria ou usar cooperativas pode sair mais caro do que manter contratos CLT diretos, quando se consideram todos os encargos e riscos. Faça simulações antes de optar pelo desmembramento.
Seguindo estas práticas e obtendo aconselhamento profissional, é possível reduzir riscos de autuações.
Conclusão
Em conclusão, não há brecha legal para que uma empresa no Lucro Real crie um CNPJ no Simples exclusivamente para terceirizar mão de obra, salvo situações muito específicas (vigilância, limpeza e conservação). As regras do Simples Nacional proíbem empresas que atuam como fornecedoras de pessoal, e qualquer tentativa de driblar isso pode configurar fraude tributária. Os riscos são elevados: autuação fiscal, multa pesada, reversão ao regime de maior tributação e até responsabilidade trabalhista direta.
Portanto, antes de implementar essa estratégia, é fundamental buscar orientação contábil especializada. Profissionais experientes devem avaliar se há outra forma legal de atender à demanda de pessoal (por exemplo, contratação direta ou empresas de trabalho temporário registradas).
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